Mulheres seguem sendo espancadas, estupradas e assassinadas no Brasil enquanto o poder escolhe a omissão.
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Feminicídios batem recorde, estupros acontecem a cada seis minutos e mulheres negras são as principais vítimas, mas o Congresso Nacional prefere emendas, privilégios e acordos de bastidores a salvar vidas.
Fotos: Divulgação
O Brasil continua falhando com suas mulheres. Todos os dias, elas são espancadas, violentadas, torturadas e mortas, quase sempre por homens próximos, dentro de casa, no espaço que deveria ser de proteção. Os números oficiais não deixam dúvidas: a violência contra mulheres e meninas não é exceção, é regra. E a resposta do Estado segue insuficiente, quando não deliberadamente omissa.
Divulgada no último dia 24, véspera do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e do Dia de Tereza de Benguela, a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública escancara uma realidade brutal. Em 2024, o Brasil registrou 1.492 feminicídios, o maior número da série histórica iniciada em 2015. Mesmo com a queda geral de 5,4% nas mortes violentas intencionais, os assassinatos de mulheres por razões de gênero continuaram crescendo.
O perfil das vítimas revela a face mais cruel da desigualdade: 63,6% das mulheres assassinadas eram negras e 70,5% tinham entre 18 e 44 anos, ou seja, estavam em plena idade produtiva. Oito em cada dez foram mortas por companheiros ou ex-companheiros, e 64,3% dos crimes aconteceram dentro de casa. Em 97% dos casos, o autor do crime foi um homem.
Essas mulheres não morreram de surpresa. A maioria já vivia sob ameaça. As tentativas de feminicídio cresceram 19%, chegando a 3.870 casos. Crimes como perseguição (stalking) e violência psicológica também avançaram, mostrando que o feminicídio é o último ato de um ciclo contínuo de violência, ignorado repetidamente pelo Estado.
Estupro virou rotina no país
O cenário dos crimes sexuais é igualmente estarrecedor. Em 2024, o Brasil registrou 87.545 estupros e estupros de vulnerável, o maior número já contabilizado. Isso significa que uma mulher foi estuprada a cada seis minutos.
Mais uma vez, o recorte racial e social expõe a perversidade do sistema: 55,6% das vítimas eram mulheres negras, e 65% dos crimes ocorreram dentro de casa. Em quase metade dos casos, os agressores eram familiares. Em outros 20%, eram parceiros ou ex-parceiros. A casa, mais uma vez, aparece como o lugar mais perigoso para mulheres, meninas e crianças.
A violência contra crianças e adolescentes também cresceu. Só em 2024, 2.356 jovens de até 17 anos foram mortos, além do aumento expressivo de crimes como abuso sexual infantil, maus-tratos e agressões domésticas. O Estado falha desde cedo — e a conta chega em forma de morte.
Mulheres negras: alvo preferencial da violência
Para especialistas, os dados revelam uma interseção clara entre machismo, racismo estrutural e desigualdade social. A dirigente sindical Ruth Helena Cristo Almeida ressalta que a violência contra mulheres negras não é circunstancial, mas estrutural.
“Quando falamos de violência contra mulheres e vulneráveis, estamos falando principalmente de mulheres e meninas negras. Existe uma relação perversa entre racismo, patriarcado e desigualdade social. Isso não é um desvio, é parte da estrutura”, afirmou.
Ela também destacou que os lares estão longe de serem espaços seguros e criticou a ausência de políticas públicas eficazes, além dos sucessivos cortes de orçamento em ações voltadas à proteção das mulheres.
Congresso inimigo do povo
Enquanto mulheres morrem, o Congresso Nacional segue desconectado da realidade. Em vez de priorizar orçamento para prevenção, acolhimento, fiscalização de medidas protetivas e punição efetiva aos agressores, parlamentares se dedicam a emendas bilionárias, acordos políticos e autoproteção.
É impossível não dizer o óbvio: trata-se de um Congresso inimigo do povo, que legisla para si mesmo enquanto vidas são perdidas. Recursos públicos que poderiam salvar mulheres são usados para alimentar projetos eleitorais, fortalecer bases políticas e manter privilégios.
O Brasil não sofre por falta de leis. Sofre por falta de vontade política. Cada feminicídio ignorado, cada denúncia arquivada, cada centavo desviado de políticas públicas é uma autorização silenciosa para que o próximo crime aconteça.
Mulheres não estão morrendo por acaso. Estão morrendo porque o Estado escolheu não protegê-las. E enquanto o poder virar o rosto, o sangue continuará escorrendo — dentro de casa, longe do Congresso, mas sob sua responsabilidade.
